Sobre a autora
Entrevista para o Roda Viva
Universidade de Oxford terá campus no Rio de Janeiro
A pesquisadora e professora brasileira Sue Ann Clemens, será a diretora da “Oxford carioca”. Clemens foi uma das responsáveis por trazer os estudos da vacina Oxford/AstraZeneca ao Brasil e diretora do primeiro mestrado em Vacinologia do mundo, na Universidade de Siena, na Itália.
“Nos últimos tempos, foram formados centros de estudos, e é triste perder isso quando a pandemia acabar. Queremos botar o Brasil na rota internacional de pesquisas“, disse Clemens ao Jornal Extra.
A professora e cientista que encabeçou projetos de capacitação em 22 centros na América Latina, revelou o objetivo de tornar o Brasil a sede de centros de pesquisas no subcontinente latino-americano.
No entanto, para ela, ainda é preciso investir em educação, preparando melhor os brasileiros para “povoarem esses centros” à medida que a produção de pesquisas crescer. Durante a pandemia, afirma, foi preciso “treinar pessoal em cima da hora”.
Conheça a cientista carioca que batalhou por acordo do Brasil com o Reino Unido para testar vacina de Oxford
No último dia 3, antes das 8h, Sue Ann Costa Clemens saiu de casa, no Jardim Botânico, rumo a Botafogo, para acompanhar o primeiro voluntário no Rio de Janeiro que receberia a vacina contra o novo coronavírus. Desenvolvida pela Universidade de Oxford, a fórmula, que passou a ser testada em brasileiros em junho — a meta é vacinar 5 mil pessoas entre Rio, São Paulo e Salvador —, iniciou sua rota rumo ao Brasil em 5 de maio.
Foi nesse dia que Clemens recebeu a ligação de Andrew Pollard, coordenador da pesquisa de Oxford. Ele a convidou, então, para ser a investigadora chefe dos testes clínicos da vacina no Brasil. Os dois são conhecidos de longa data — ele é professor do mestrado em Vacinologia, criado por ela na Universidade de Siena, na Itália, e trabalharam juntos em estudos para vacinas, como a da meningite. Pollard também sabia que Clemens havia coordenado os testes clínicos da vacina contra o rotavírus em meados de 2005, uma força-tarefa que recrutou pela América Latina mais de 60 mil voluntários em seis meses.
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“Sue, você tem interesse em fazer o estudo da nossa vacina no Brasil?” Minha primeira reação foi: “Você quer isso para quando?” Naquela época, eu já estava envolvida com o desenvolvimento de duas vacinas para a covid-19 — uma de RNA mensageiro, da empresa alemã CureVac, e outra baseada em proteínas, da chinesa Clover. Eu era membro do comitê científico de ambas, mas os projetos ainda estavam muito distantes da fase 3, de comprovação da eficácia. A oportunidade que Andrew me oferecia naquele momento era a de estar na linha de frente e tentar acelerar o processo de testagem muito antes do que eu esperava. Era a chance de pôr em prática as habilidades que desenvolvi ao longo de uma carreira dedicada às vacinas e de salvar vidas em meio a uma crise sanitária sem precedentes na história recente. Ao terminarmos a reunião, quase sem perceber, eu já havia começado a saga para que o Brasil tivesse um braço da pesquisa de Oxford e, assim, pudesse ter acesso a uma das mais promissoras vacinas contra a covid-19 em desenvolvimento no mundo.
Foi para ela, Lily Weckx, que telefonei logo depois da conversa com Andrew. Lily é diretora do Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais (Crie), um espaço de vacinação da Unifesp especializado no atendimento de pacientes com risco aumentado para doenças infeciosas, que oferece vacinas não ofertadas nos postos regulares e acompanha possíveis eventos.
Trevor lembrou que, em abril de 2020, havia me apresentado ao CEO da Fundação Lemann, Denis Mizne. Na ocasião, a entidade ligada ao empresário Jorge Paulo Lemann tinha manifestado interesse em investir em projetos de vacinas para a covid-19. Ainda que o foco da fundação seja a educação, Denis vinha pensando no que a organização poderia fazer para ajudar na saúde desde uma conversa em que o próprio Jorge Paulo Lemann, que preside o conselho, dissera estar disposto a apoiar alguma iniciativa importante na área. Algo que fosse grande e decisivo. Na avaliação deles, o Brasil estava deslocado do debate de vacinas, dizendo que não ia aderir às regras da OMS, num momento de tensão e antagonismo, com todo o debate voltado para equipamentos de proteção e leitos de UTI. O CEO da Fundação Lemann passou então a acionar contatos pelo mundo, a fim de, como ele mesmo diz, “aprender” de que forma poderia ajudar. Havia sido o protagonismo da Fundação Gates na área da saúde (e de vacinas) que levara Denis Mizne a Trevor Mundel. O brasileiro tinha perguntado ao executivo da entidade o que ele faria se estivesse no Brasil. Trevor teria respondido que o país precisava entrar no mapa da vacina, e o melhor jeito de fazer isso era abrigar testes clínicos — então ele fez a ponte e me apresentou por e-mail ao CEO da Fundação Lemann.
Na época, eu já tinha adotado o que passei a chamar de “ritmo covid” — precisava avançar mais rápido do que a doença que, naquela semana, registrava por aqui, em média, 10 mil novos casos por dia. Enviei um e-mail a Denis Mizne já com Andrew Pollard em cópia, explicando que ele era o chefe da pesquisa da vacina de Oxford e que gostaríamos de fazer os testes no Brasil. Denis respondeu no ato. Marcamos uma reunião para a manhã do dia 10 de maio. Ele foi direto: “Não me mande nada, não preciso de projeto detalhado, cuide da vacina. Gaste 100% do seu tempo fazendo isso. Eu vou checar se conseguimos o patrocínio. Já prometo que não vou dar trabalho e vou ser rápido.” E de fato ele foi. Pouco depois, já nos enviou um e-mail com a resposta. Denis tinha telefonado para Jorge Paulo Lemann no instante em que encerramos nossa conversa e contou que introduziu o assunto ao empresário com a frase: “Acho que encontrei aquele projeto grande e decisivo.” Ele explicou a Lemann que a vacina de Oxford era a primeira a chegar nos testes de fase 3 e perguntou se podia embarcar no projeto. Fiquei surpresa com a rapidez da resposta de Denis. Achei que levaria dias para ouvir algo, mas em minutos ele escreveu e disse apenas: “Está aprovado.” Eu chorei, e meses depois, quando encontrei Denis pessoalmente, em São Paulo, ele me confidenciou que também tinha me dado a resposta com lágrimas nos olhos.
O patrocínio da Fundação Lemann cobriria todos os custos do estudo em São Paulo. Para os testes no Rio, porém, eu ainda não tinha um patrocinador, mas imaginava quem procurar. Acionei Rodrigo Gavina, cirurgião torácico e vice-presidente da Rede D’Or. Nos anos 2000, em meio à pesquisa da vacina do rotavírus, o maior estudo que eu tinha feito até então e um dos maiores estudos de fase 3 da história, tive seguidos pneumotórax — quando o pulmão colapsa e uma bolha de ar surge entre as duas camadas da pleura, a membrana que reveste o órgão. O tratamento é cirúrgico. Foi Rodrigo quem me operou e acompanhou minha recuperação, e acabamos ficando amigos. Quando telefonei para ele com a intenção de pedir financiamento para a pesquisa, eu já estava tão submersa que me esqueci que era domingo. Ele estava voltando de uma viagem com a família, na estrada, e insistiu para que eu contasse o motivo da ligação. Eu me segurei e telefonei de volta na segunda-feira. Rodrigo era minha melhor ponte com a Rede D’Or, o maior grupo hospitalar privado do Brasil e que tem um braço dedicado à pesquisa, o Instituto D’Or, cuja sede fica no Rio de Janeiro. Naquele momento da pandemia, em que o sistema de saúde se debatia para driblar o colapso, os investimentos da rede estavam voltados aos hospitais de campanha e tinham sido criados 500 novos leitos de UTI para atender pacientes de covid. Rodrigo hoje comenta que não se falava de vacina naquela época como viria a se falar depois, e Oxford estava na frente. Ele então levou o projeto ao fundador da Rede D’Or, Jorge Moll Filho, que, por sua vez, deu o aval para o financiamento do estudo. Segundo Rodrigo, quando foram erguidos os hospitais de campanha a busca por parceiros levou uma semana, mas com a vacina, não — era uma decisão que precisava ser tomada de um dia para o outro, não havia tempo para pensar.
Uma semana depois da reunião virtual com Oxford, já tínhamos patrocinadores e os dois centros de testes definidos. No Rio, a sede do estudo seria o Instituto D’Or, um prédio inteiro em Botafogo que nos foi cedido pela rede para recrutar e vacinar os voluntários. Em São Paulo, sob a batuta de Lily Weckx, faríamos a pesquisa no galpão da Unifesp, cuja reforma, patrocinada pela Fundação Lemann, começou antes mesmo de termos o protocolo do estudo aprovado pelo governo brasileiro — um risco que valia a pena correr.
A cada alteração, seja no número de voluntários, seja no número de doses da vacina ou nos intervalos entre as doses, é necessária uma emenda no protocolo, que deve ser apresentada e aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, a Conep, e, depois, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. Como pesquisadora de vacinas há décadas, eu conhecia os trâmites das agências regulatórias em diferentes países. Antes da pandemia, os projetos no Brasil levavam cerca de três meses até a aprovação, mas eu sabia que o país, a exemplo de outras nações, havia acelerado os processos para acompanhar o ritmo covid.
Nelson Teich duraria pouco tempo no governo. Sua atuação foi importante para promover articulações essenciais para a pesquisa, como uma reunião da Anvisa com a MHRA (Medicines and Healthcare products Regulatory Agency). Mas ele deixou o posto no ministério ainda em maio, menos de um mês depois de assumir, e não chegou a ver o estudo ser aprovado pela Anvisa, o que aconteceu logo no início de junho.
A fórmula foi batizada de ChAdOx1 nCoV-19, ou Chadox, na versão abreviada que adotamos informalmente nos corredores dos centros. Como a Universidade de Oxford assinou um acordo com a farmacêutica AstraZeneca, a Chadox também passou a atender por AZD1222, contemplando letras do nome da indústria.
Desse tempo, carrego uma experiência rara entre meus pares e um dedo “comido” por um rato. O bicho despertou da anestesia no meio de uma operação e conseguiu roer parte de meu indicador antes que eu me defendesse.
Estava bem preparada para a entrevista. Levei um dossiê impresso com os dados epidemiológicos e de cobertura vacinal do Brasil e distribuí a todos os executivos presentes.
Àquela altura, eu já estava casada com Ralf Clemens, o homem tido como o “monstro das vacinas” e que chefiava o departamento global de imunizantes da então GSK. Para evitar conflito de interesses, nunca tive vínculo hierárquico com ele na empresa. Morávamos na Bélgica, mas viajávamos muito, coordenando estudos clínicos em diferentes países ao mesmo tempo.
Opas, a Organização Pan-Americana da Saúde, peça-chave para as pesquisas e introdução de vacinas na América Latina. O chefe de vacinas na Opas era, então, Ciro Quadros, que mais tarde seria nomeado pela OMS o “herói das Américas em saúde pública”. Ele era temido na indústria, conhecido por nem mesmo receber os médicos das empresas e por ser duro nas reuniões. Era uma ponte importante para projetos como o do rotavírus. E eu conseguia fazer esses contatos por conta do respeito conquistado como pesquisadora acadêmica. Por muitos meses, eu pegava o trem cedo na Filadélfia em direção a Washington, onde está a sede da Opas, na esperança de me encontrar com membros do comitê de vacinas, jamais esperando ser recebida pelo grande chefe, só por alguém de seu time. Iniciei as conversas semanais apresentando o projeto de desenvolvimento clínico, os estudos epidemiológicos e suas atualizações. Quando o próprio Ciro Quadros apareceu no meio de uma das reuniões, gelei. Fiquei sem palavras. E lá estava ele: o homem que interrompeu uma guerra na África para vacinar contra a varíola e ajudar na erradicação do vírus. Eu mal podia acreditar.
O apoio de Ciro Quadros foi fundamental para o desenvolvimento e registro da vacina de rotavírus da GSK e abriu muitos caminhos para um melhor entendimento entre a indústria e a Opas. Aprendi muito com ele e tenho a honra de dizer que trabalhamos muito juntos, e por muitos anos, até que ficamos amigos. Eu o convidei para a palestra de abertura do mestrado em vacinologia da Universidade de Siena, anos mais tarde. Foi um grande reconhecimento tê-lo pessoalmente na inauguração. Depois, já na Fundação Gates, em projetos como o da nova vacina da pólio, eu o chamei para presidir o comitê independente de segurança, função que ele cumpriu de forma brilhante até seus últimos dias. Doutor Ciro, como eu o chamava, morreu em 2014 e foi um nome fundamental para a erradicação da pólio nas Américas. Semanas antes de sua partida, durante uma reunião de comitê em que eu representava a Fundação Gates, já bem abatido, ele segurou minha mão e disse: “Sue, corra com esses resultados para que eu possa ver uma nova vacina nascendo.” Infelizmente, isso não aconteceu. O “herói das Américas”, que contribuiu para o desenvolvimento da nova vacina oral para a pólio, não pôde ver a fórmula registrada, o que só aconteceria anos mais tarde.
Denise Abranches, cirurgiã-dentista e coordenadora da odontologia do Hospital São Paulo. Despachada, ela dizia aos funcionários na entrada: “Acaba logo isso, gente, que eu quero entrar.” Eu ri. Denise era a primeira voluntária — e estava ali brigando para manter seu título. Fora a primeira a se inscrever e chegara na manhã de sábado horas antes da abertura, para garantir que não haveria outro inscrito mais rápido que ela. E não houve. Denise foi, como gosta de dizer, a primeira pessoa a entrar na pesquisa para a covid-19 no Brasil, a nossa número 1.
O voluntário, a depender do sistema de randomização, poderia receber a Chadox ou a meningocócica ACWY. Nem voluntários nem funcionários sabem qual vacina foi aplicada. Os dados são revelados apenas ao final da fase 3, quando são feitas as análises de eficácia.
câmeras da HBO, que fazia um documentário sobre a pesquisa da vacina de Oxford e tinha insistido em acompanhar o dia de um voluntário, além do cotidiano dos profissionais do centro de testes.
Litza Gusmão, famosa nos corredores do hospital pelas soluções para driblar a falta de equipamentos de segurança durante a pandemia. Um exemplo do trabalho de Litza: para que cada funcionário do hospital pudesse guardar sua máscara N95 por 15 dias, ela comprou pela cidade 2 mil potes de plástico, daqueles de cozinha, e gravou manualmente o nome do dono em cada um. Em vez de jogar fora a máscara após o turno de trabalho, o profissional de saúde a esterilizava e guardava em seu respectivo pote, o que permitia o uso do equipamento pelo prazo máximo recomendado antes do descarte. Assim, durante toda a pandemia, não houve falta de máscaras no São Rafael.
Na época, os números do rotavírus começavam a ganhar as páginas dos jornais, como se, até aquele momento, o mundo não soubesse da existência do problema. Uma reportagem do New York Times publicada em 9 de abril de 1996 trazia o próprio Glass falando sobre o vírus a partir de artigos que publicara na revista Science daquele mês. Ele dizia ao jornal que “o rotavírus é democrático” e mencionava a estimativa de mortes de crianças nos países pobres e de hospitalização em países ricos. Os dados da doença citados pelo jornal naquele momento, aliás, despertaram Bill Gates para o assunto do desenvolvimento de vacinas. O fundador da Microsoft costuma contar que lia a reportagem e pensava: “Isso não pode estar certo. Eu leio os jornais o tempo todo. Onde estão as notícias sobre esses milhares de crianças morrendo?” Anos mais tarde, ao criar a Fundação Bill e Melinda Gates, ele daria especial atenção à saúde global — e em consequência, ao desenvolvimento de vacinas.
Era preciso analisar a fundo os dados e as curvas de casos de rotavírus em diferentes países, e a decisão de realizar os testes na América Latina veio em seguida, amparada não apenas pelos números, mas também pelo contexto. Ralf e todo o time sabiam que milhares de crianças morriam da doença na África, mas sabiam também que a estrutura para os testes na América Latina era muito melhor. Se quisessem resultados rápidos para garantir o acesso ágil possível à vacina, era lá que teriam de testar.
eu havia contraído o vírus Coxsackie B, que causa a doença popularmente conhecida como “abraço do diabo”.
A ideia me ocorrera pela primeira vez em 2002, num encontro com Nelson Mandela na Cidade do Cabo. Eu ainda trabalhava como diretora de vacinas da GSK para a América Latina quando fui convidada para uma conferência na África do Sul com ministros da Saúde de 32 países em desenvolvimento. A vacinação no continente africano estava em queda. Faltavam vacinas e também capacidade operacional para a produção. Representantes da indústria, como Jean Stéphenne, falaram sobre o financiamento de fórmulas para países em desenvolvimento e sobre estratégias para acelerar a introdução de novos imunizantes nessas regiões. Os líderes do encontro terminaram por elaborar um documento que depois viria a ser apresentado no Fórum Econômico Mundial e em outros encontros globais. Mandela era o convidado de honra. Sua esposa, a moçambicana Graça Simbine Machel, uma proeminente ativista dos direitos humanos, sentou-se ao meu lado no auditório. Ela falava português e conversamos sobre saúde pública nos países em desenvolvimento. O discurso de Mandela me deixou em prantos. Ele pedia que países ricos e indústrias investissem no desenvolvimento da África. Meu incômodo com a atuação das farmacêuticas naquela região só fez aumentar depois daquele encontro. Quando realizei estudos na África, senti uma diferença muito grande no preparo dos profissionais e dos centros de testes. O trabalho que tínhamos feito na América Latina ao investir em pesquisas clínicas na região havia deixado uma estrutura para que outras vacinas fossem desenvolvidas naqueles países. No caso da África, pelas condições epidemiológicas favoráveis, com surtos de diversas doenças em diferentes países, o continente era utilizado para sediar muitos estudos em larga escala. Mas as indústrias em geral cumpriam o seguinte roteiro: equipar um centro, treinar funcionários locais apenas para realizar tarefas operacionais, levar profissionais de fora para posições de liderança e, por fim, desmontar a estrutura ao fim do trabalho. No estudo seguinte, repetia-se o mesmo padrão. Ao ouvir o pedido de Nelson Mandela para que a indústria investisse na África, muitos se sentiram na obrigação de responder da forma como podiam, eu inclusive. Passaram-se muitos anos desde aquele encontro até que eu conseguisse colocar de pé um projeto de formação profissional. Nunca deixei de dar aulas no Instituto Carlos Chagas e em cursos na Unifesp, convidada pelo professor Calil Farhat, meu mestre e orientador do doutorado, e trabalhando na indústria eu via que era preciso investir em educação. As farmacêuticas ofereciam cursos, sabia que era preciso investir na formação de profissionais. Havia cursos nas indústrias, mas eles não abarcavam todo o processo de desenvolvimento de uma vacina, nem eram voltados para formar profissionais de países em desenvolvimento. Em meados de 2006, quando abri minha empresa de consultoria, fui convidada pela Novartis para cuidar do que eles chamavam de Academia de Vacinas. Eu morava em Siena, onde ficava a sede…
TODO - este trecho está cortado
Os jovens têm aulas com professores consagrados, que vão do homem nomeado pela OMS como “herói da saúde pública”, Ciro Quadros, à diretora do Departamento de Imunização, Vacinas e Biológicos da OMS, Kate O’Brien, passando pelo autor do livro Vaccines, a bíblia em vacinologia, Walter Orenstein.
Em junho, passou o aniversário de 47 anos, dias antes de tomar a vacina, dentro da UTI. Quando soube que a formatura do sobrinho seria realizada num modelo drive-thru — de carro, os formandos passavam por uma cabine e recebiam o diploma —, ela dirigiu até Santos e, de longe, parada no estacionamento, acenou para a família em prantos. “Vida e morte, tudo passou a ser muito solitário”, ela costuma repetir. Conta que via os colegas de hospital isolados dos seus amores e via os pacientes nos leitos sozinhos — deixou de existir o momento de despedida de um pai, de um filho, de um irmão, e foram as enfermeiras, muitas vezes, que fizeram esse papel de conversar com o paciente sobre o fim.
Denise ainda diz, rindo, que era uma relação de amor, melhor que muito relacionamento por aí.
Por fim, antes de partir, o voluntário recebia uma ajuda de custo para o transporte. Não se trata de uma remuneração pela participação na pesquisa, algo que não é permitido pela comissão nacional de ética do Brasil, mas apenas o custeio do deslocamento até o centro, para que dificuldades financeiras não impedissem o engajamento na pesquisa.
interesse de Bill Gates por saúde global começou no final dos anos 1990, quando, como ele gosta de contar, leu no New York Times uma reportagem sobre os milhares de crianças em países pobres que morriam vítimas de doenças para as quais havia prevenção ou que já estava até mesmo erradicadas nos Estados Unidos. Então, o fundador da Microsoft mandou o artigo do jornal ao pai, William H. Gates Sr., com uma mensagem: “Pai, talvez possamos fazer algo para resolver isso.” Pouco tempo depois, no ano 2000, surgia a Fundação Bill e Melinda Gates, que, em duas décadas, investiu mais de 50 bilhões de dólares em projetos de educação e saúde, como o desenvolvimento de medicamentos e vacinas.
Trevor pediu que liderássemos, em 2012, um programa para o desenvolvimento da nova vacina oral contra a pólio. A pesquisa se estenderia até 2020, quando publicamos resultados na revista Lancet1 em meio à pandemia, quando no Brasil os estudos de Oxford já estavam em curso e eu preparava 22 centros na América Latina para receberem pesquisas de vacinas de covid-19. A pesquisa da pólio foi considerada outro marco na história das vacinas. A chamada nOPV2 foi o primeiro imunizante a ter o uso emergencial analisado e recomendado pela OMS, em novembro de 2020 — e, como a própria organização ressaltou, abriu caminho para as vacinas da covid-19 que chegariam em seguida.
Em 2016, apenas 46 casos foram registrados no mundo todo. A quase erradicação é fruto das vacinas, em especial da fórmula oral, que, diferentemente da injetável, cria a chamada imunidade de rebanho. Paradoxalmente, é também ela a responsável indireta pelos novos surtos de pólio, causados por um vírus derivado da própria vacina. O chamado cVDPV2 é excretado por quem foi imunizado e atinge os que não estão imunes à doença — ou seja, a causa dos novos surtos não é diretamente relacionada à vacina, mas à queda nas vacinações, como reconheceu a OMS. A vacina oral tradicional de pólio é feita do vírus inativado e, se crianças não forem imunizadas e viverem em condições precárias de saneamento básico, o patógeno enfraquecido, eliminado nas fezes, pode circular entre os indivíduos. Ao longo do tempo, esse vírus sofre mutações e chega a uma nova forma que, por fim, pode causar paralisia como um evento adverso muito raro. Surtos recentes na África e em alguns países da Ásia e da Oceania foram provocados por essa mutação. Em 2019, a OMS registrou 368 casos no mundo.
Por isso, Trevor Mundel chamou a pesquisa de “estudo Hidra”, em referência ao monstro de várias cabeças da mitologia. A nova formulação foi criada para ter imunogenicidade igual à primeira e mais estabilidade genética — ou seja, um potencial menor de sofrer mutações que podem causar paralisia. Após o anúncio da OMS de que nossa vacina contra a pólio era a primeira a ser listada para uso emergencial na história, recebemos mensagens elogiosas e de agradecimento. Fiquei feliz quando Trevor Mundel me chamou de a melhor “testadora” de vacinas do mundo.
Bill Gates sabia que, iniciada a corrida pela vacina no primeiro trimestre de 2020, dezenas de imunizantes chegariam à fase de testes clínicos até o final daquele ano. Para que isso pudesse acontecer, os produtos tinham de encontrar centros de recrutamento e acompanhamento de voluntários preparados. Caso contrário, corria-se o risco de ter fórmulas prontas à espera e competindo por centros, profissionais e ambientes equipados para os testes. A epidemiologia e a localização geográfica também eram parte importante da escolha dos centros — daí a relevância de se preparar vários deles ao redor do globo. Não sabíamos como a pandemia iria se comportar e quanto tempo iria durar; nesse contexto, esperar estava fora de cogitação.
Bill Gates on Fighting Coronavirus | The Daily Social Distancing Show
3 de abr. de 2020
Desde o início de 2020, a organização do fundador da Microsoft esteve envolvida com o desenvolvimento de tratamentos e vacinas para a covid-19. Em março daquele ano, Bill Gates foi a público instar as farmacêuticas a trabalharem com agilidade e cooperação, pedindo que compartilhassem dados para contribuir com o combate à pandemia. Seu envolvimento com emergências sanitárias globais vinha de muito antes, desde a criação da CEPI, a Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias. Trata-se de uma espécie de consórcio formado por governos (como Noruega, Alemanha, Reino Unido, Japão entre outros) e fundações filantrópicas (como BMGF e Wellcome Trust), lançado oficialmente no Fórum Econômico Mundial de Davos em 2017, com a missão de direcionar recursos para a produção de vacinas. A importância da CEPI foi reforçada num encontro em Berlim em 2018, com a presença de Bill Gates, Angela Merkel e outros líderes. Eu estava lá e pude testemunhar decisões importantes para a saúde pública global. Foram revisados marcos de desenvolvimento de algumas vacinas, como as de tuberculose, e anunciou-se a criação do primeiro escritório da Fundação Gates na Alemanha. Naquele encontro, o maior investidor do consórcio, a Noruega, mostrou que voltaria o foco para financiamentos de projetos de imunizantes contra doenças com potencial de causar epidemias, identificadas pela OMS em uma lista chamada blueprint. As cinco doenças prioritárias da lista eram: febre de Lassa, infecção pelo vírus nipah, chicungunha, febre de Rift Valley e MERS, a síndrome respiratória causada por um tipo de coronavírus. Era este, aliás, o patógeno com o qual Oxford já lidava no início de 2020, com recursos da própria CEPI. Com pequenos ajustes, a universidade pôde adaptar o trabalho para o SARS-CoV-2, causador da covid-19, e assim saiu na frente na corrida por uma vacina para o novo coronavírus.
A primeira a divulgar foi a americana Pfizer. Seu produto, desenvolvido em parceria com a alemã BioNTech, tinha 95% de eficácia. Foram identificados 94 casos de covid-19 num universo de mais de 43 mil voluntários, segundo a empresa, que viria a confirmar a elevada eficácia mais de um mês depois, em 31 de dezembro, com um artigo publicado no New England Journal of Medicine.1 A empresa tinha, então, dados mais robustos: no mesmo número de voluntários, coletou 162 casos de covid-19 no braço que recebeu placebo e apenas oito entre os que receberam a vacina em teste.
Depois da Pfizer fazer seu anúncio à imprensa, foi a vez de a Moderna exibir os resultados, ainda em novembro.2 A farmacêutica americana relatou ter 94% de eficácia. Um pool de especialistas independentes mostrou que 95 participantes dos 30 mil recrutados pelo estudo da Moderna foram diagnosticados com a covid-19. Desses, apenas cinco eram do grupo que recebeu o imunizante desenvolvido pela empresa, e os demais, placebo.
No material exibido pelo chefe dos estudos naquela tarde de domingo,3 eu via três percentuais diferentes — e a chance de confusão. O primeiro mostrava que, se aplicada meia dose, a eficácia era maior, chegava a 90%. Com as duas doses completas, inteiras, o percentual era menor, de 62% no Reino Unido e 64% no Brasil. O terceiro número era a média dos dois anteriores e resultava no que chamamos de eficácia global, de 70,4%. Eu comecei a pensar nas perguntas cujas respostas não estavam nos slides, como: Qual era a eficácia com uma só dose? Nossa vacina inicialmente tinha a estratégia de uma dose e mudamos de forma súbita devido a resultados muito positivos, mas parciais. Em um desenvolvimento clínico normal, teríamos explorado ambas as estratégias — com apenas uma ou com duas doses, além de diferentes intervalos e concentrações — para decidir. Mas não tinha nada de normal na situação que o mundo vivia, e queríamos produzir o mais rápido possível uma vacina segura e eficaz.
Na segunda-feira, dia 23 de novembro de 2020, num primeiro momento, os jornais usaram a informação dos 90% de eficácia. Mas esse era o percentual referente à meia dose, que não o era objeto do registro, e não tardou para que surgisse a pergunta: Por que meia dose? No mesmo dia, em entrevista à agência Reuters, Mene Pangalos, vice-presidente executivo de biofarmacêuticos da AstraZeneca, disse que a meia dose foi uma “feliz coincidência” e, depois, afirmou: “Sim, foi um erro.” Não, não foi um erro. E também não era uma feliz coincidência. Houve uma diferença na produção da vacina que, antes, nos testes iniciais, era fabricada no Reino Unido e, depois, passou a ser produzida por uma empresa italiana. Notou-se que o número de partículas virais por dose num determinado lote era menor. Avisamos às agências regulatórias do Reino Unido e do Brasil sobre a diferença de dosagem e decidimos, em conjunto com essas agências, manter no estudo o grupo — só de voluntários britânicos — que havia recebido a meia dose. Era uma forma de explorar um regime e uma concentração diferentes de doses, algo que se faz em pesquisa, parte normal do desenvolvimento de uma vacina em fase 2. Foi uma decisão consciente, com recomendação, aval e acompanhamento das agências envolvidas. Mas a diferença da eficácia da vacina no grupo que havia tomado meia dose seguida de uma dose de reforço e do grupo que recebera as duas doses padrão era, de fato, “intrigante”, como definiu Andrew Pollard à imprensa. Ele próprio completou: “Para entender, mais estudos serão necessários.”
Nossa análise interina de eficácia foi publicada ainda em dezembro de 2020, na revista Lancet.4 Fomos os primeiros a publicar um artigo científico — com a revisão de pares, algo da maior importância para atestar a credibilidade do estudo — sobre a terceira e última fase de testes de uma vacina para o coronavírus. O trabalho esmiúça os dados que haviam sido apresentados à imprensa em novembro, com informações detalhadas sobre as reações adversas, a meia dose, o perfil de idade e gênero de nossos recrutados, entre outras minúcias que confirmam o rigor com que conduzimos os estudos para a elaboração daquela análise interina.
Sarah Gilbert — a cientista que desenvolveu a fórmula de Oxford, uma espécie de mãe biológica da vacina — é pesquisadora nessa área há mais de vinte anos. Trabalhou, por exemplo, no desenvolvimento de imunizantes para o ebola e para a síndrome respiratória do Oriente Médio, a MERS. Como mencionei antes, foi essa pesquisa que deixou Oxford à frente na corrida pela vacina para a covid-19, tendo iniciado os testes pelo menos oito semanas antes das outras produtoras. Também causada por um coronavírus, a MERS vinha sendo estudada pelo time de Sarah Gilbert desde 2019. Em janeiro de 2020, com o código genético do SARS-CoV-2 sequenciado em Oxford por Teresa Lambe, o grupo apenas adaptou a plataforma para o novo antígeno. Até então desconhecido fora de seu país, o trabalho da cientista ganhou notoriedade na pandemia.
foi de Mariana a solução para aumentar o recrutamento de idosos. Sabendo que precisava comunicar o convite onde eles estavam, ela teve a ideia de ir a uma igreja próxima do centro, na missa de domingo, e pedir ao padre que anunciasse o estudo.
Ela conta que, na periferia de Maputo, capital moçambicana, aprendeu a “fazer medicina com o mínimo”. A estrutura era precária, a saúde havia colapsado após um surto de ebola e, em seguida, um de tuberculose. Em seminários ao ar livre, sem computadores ou telas, ela ensinava noções básicas de higiene, como a forma correta de lavar as mãos. Em uma das iniciativas, instalaram recipientes com álcool líquido e glicerina no hospital, e passados alguns dias viam-se pacientes caídos no chão dos corredores — eles bebiam o álcool glicerinado, que tinha o cheiro muito parecido com o da cachaça local.
Um dilema que Nísia Trindade Lima vivenciou ainda jovem, quando começou a sólida carreira acadêmica que a levou ao posto de presidente da Fiocruz. Aos 23 anos, teve o primeiro filho. Não interrompeu a carreira, mas tinha amparo familiar para dar conta da tarefa, e ressalta falta no Brasil política pública adequada de creches para que as mulheres possam manter sua carreira. Assim como Parvinder Aley, em Oxford, Nísia tinha uma estrutura que a permitiu trabalhar, estudar, ter um filho e depois outro. Mesmo assim, ela demorou, por exemplo, para conseguir terminar e defender sua dissertação de mestrado. Mestre em ciência política e doutora em sociologia, Nísia está na Fiocruz desde o final dos anos 1980. Em 2020, cumpria seu primeiro mandato como presidente da fundação. Sua atuação durante a pandemia foi considerada excepcional e, em fevereiro de 2021, ela foi nomeada para um segundo mandato de quatro anos.
Eu me propusera a conversar com os Estados Unidos porque conhecia o diretor da Operação Warp Speed, Moncef Slaoui. Ele dirigia a força-tarefa do governo americano criada ainda no início da pandemia, em maio de 2020, para apoiar seis projetos de vacinas em desenvolvimento. O governo de lá apostara em fórmulas com plataformas diferentes, para ampliar as chances de conseguir um imunizante com rapidez. Pfizer e Moderna estavam entre as patrocinadas por Washington, além de Janssen, Novavax, Sanofi e, por fim, AstraZeneca. A empresa recebeu 1 bilhão de dólares para produzir 300 milhões de doses para os Estados Unidos. O diretor da operação, Moncef Slaoui, tinha sido meu chefe na GSK, onde trabalhou por cerca de trinta anos.
Uma estimativa da própria Fundação Gates calcula que dois terços das crianças do mundo recebem ao menos uma dose de algum imunizante fabricado no Serum.
A audiência da agência sobre o uso emergencial começou numa manhã de domingo, dia 17 de janeiro de 2021, e se estendeu até o meio da tarde. Ponto a ponto, os técnicos apresentaram os detalhes dos documentos das duas vacinas e recomendaram a aprovação. Por fim, os cinco diretores votaram a favor. Mais de 20 mil pessoas acompanhavam on-line esse andamento, transmitido pelo YouTube. Às três e meia da tarde, a Anvisa aprovou, por unanimidade, o uso emergencial da vacina de Oxford e da CoronaVac. Minutos depois da votação, a enfermeira Mônica Calazans recebeu em São Paulo uma dose da CoronaVac, se tornando a primeira brasileira vacinada contra a covid-19.
Estávamos, mais uma vez, diante de uma crise de comunicação. Talvez tenha sido esse, aliás, o maior desafio para o desenvolvimento de uma vacina em meio à pandemia, além da política. O tempo todo as pesquisas estavam sob escrutínio, acompanhadas com lupa pela imprensa internacional. Questões científicas, de pesquisa clínica, regulatórias e de saúde pública merecem seriedade ao ser esclarecidas à população. Na corrida contra a pandemia, porém, muitas declarações equivocadas de analistas ou cientistas às vezes não completamente familiarizados com esses temas acabaram por gerar incertezas e até mesmo desinformação. Políticos de vários países também não se furtaram a expressar opiniões sobre farmacovigilância e âmbito regulatório de vacinas, novamente, com pouco ou nenhum conhecimento do assunto.
Em março de 2021, quando a vacinação em massa já estava em andamento em diversas nações — só no Reino Unido, eram cerca de 18 milhões de imunizados até aquele momento, e o mundo já ultrapassara a marca de 40 milhões de vacinados —, vimos uma sequência de países suspenderem o uso da vacina de Oxford/AstraZeneca. A decisão, como a imprensa internacional alardeou à época, era uma medida preventiva após o registro de casos de trombose venosa e embolia pulmonar entre pessoas que haviam recebido a fórmula. A reação, porém, era identificada em ambas as vacinas em uso no Reino Unido, e a AstraZeneca já tinha dados indicando um número de incidência infinitamente menor entre os vacinados do que o esperado na população geral considerando sexo, idade, comorbidades e localização geográfica. Posteriormente, seria investigada uma síndrome rara que associava trombose e trombocitopenia (baixa de plaquetas) às vacinas da AstraZeneca e da Janssen e miocardite e pericardite à da Pfizer. Tudo isso demonstra a importância de os países terem um sistema de farmacovigilância bem organizado e transparente, bem como da revisão detalhada dos dossiês de vacinas para registro nas agências regulatórias, o que a Anvisa faz com excelência. Um grupo de especialistas da OMS também realizou uma análise investigativa dos dados de segurança e, chegando às mesmas conclusões da EMA, continuou defendendo que os benefícios das vacinas superavam os riscos por uma margem imensa
Quando se aprova um medicamento ou uma vacina, o trabalho para nós, pesquisadores, e para os sistemas de saúde não acaba. Na verdade, está apenas começando. Há o monitoramento do produto por meio da segurança e da farmacovigilância, mas também há o trabalho de análise do comportamento das vacinas na vida real. Não podemos esquecer que os estudos de eficácia são controlados e realizados em uma parcela pequena da população: pessoas saudáveis são escolhidas para entrar nos estudos e, em muitos casos, soronegativas, ou seja, gente que nunca teve determinada doença. É preciso, portanto, estudar como as vacinas se comportam na vida real, vacinando a todos sem discriminação de idade e comorbidades, incluindo gestantes e portadores de doenças prévias. Além disso, é preciso ainda monitorar a famosa imunidade de rebanho, o impacto da imunização na transmissão do vírus, o aparecimento de variantes e o efeito delas na eficácia das vacinas.
Fora dos holofotes, eu travava duas batalhas que não ficaram públicas: buscava vacinar os voluntários do grupo de controle do estudo (aqueles que, em vez da Chadox, haviam recebido a vacina contra meningite) e, também, toda a equipe da pesquisa clínica, nos seis centros de testes do país. No primeiro caso, a vacinação estava prevista desde o início, já que no Brasil a imunização posterior do grupo de controle é uma questão ética prevista na regulamentação e exigida pela Conep para a aprovação dos protocolos. Essa provisão incomoda algumas empresas farmacêuticas, pois não é comum em sistemas regulatórios e éticos internacionais. Uma demonstração de que no Brasil a dimensão ética das pesquisas é levada a sério.
ajudando a preparar o mundo para as próximas epidemias. Pois elas virão.