books biology dna gene evolution
O Gene - Uma história íntima
Siddhartha Mukherjee
No fim das contas, os seres humanos não passam de portadores – vias – para os genes. Eles avançam montados em nós até nos exaurir, como seus cavalos de corrida, de geração a geração. Os genes não pensam no que constitui o bem e o mal. Não se importam se estamos felizes ou infelizes. Para eles, somos apenas meios para um fim. A única coisa em que pensam é no que é mais eficiente para eles.
Haruki Murakami, 1Q84
Prólogo - Famílias
Prologue - (PDF - idioma: en)
O sangue dos teus pais não se perde em ti.
Menelau, Odisseia.
Em 2009, pesquisadores suecos publicaram um enorme estudo internacional que abrangia milhares de famíias e dezenas de milhares de homens e mulheres. O estudo analisou famílias com histórias intergeracionais de doença mental e encontrou marcantes evidências de que o transtorno bipolar e a esquizofrenia tinham em comum uma forte ligação genética.
- Maartje F. Aukes et al., “Familial Clustering of Schizophrenia, Bipolar Disorder, and Major Depressive Disorder."
- Paul Lichtenstein et al., “Common Genetic Determinants of Schizophrenia and Bipolar Disorder in Swedish Families: A Population-Based Study”
Qual é o código da normalidade antes de ela ser corrompiada pela coda do câncer? O que o genoma normal faz? Como ele mantém a constância que nos torna discernivelmente similares e as variações que nos tornam discernivelmente diferentes? Aliás, como são definidas ou escritas no genoma as contra-partidas constância-variação ou normalidade-anormarlidade?
E se aprendêssemos a mudar de modo intencional o nosso código genético? Se tais tecnologias estivessem disponíveis, quem as controlaria e quem garantiria sua segurança? Quem seriam os senhores e quem seriam as vítimas dessa tecnologia? De que forma a aquisição desse conhecimento – e sua inevitável invasão da nossa vida pública e privada – alterariam o modo como imaginamos nossas sociedades, nossos filhos e nós mesmos?
Esse livro é a história do nascimento, crescimento, influência e futuro de uma das mais poderosas e perigosas ideias na história da ciência: o “gene”, a unidade fundamental da hereditariedade e a unidade básica de toda informação biológica.
(…) Três ideias profundamente desestabilizadoras ricochetearam por todo o século XX e se dividiram em trẽs partes desiguais: o átomo, o byte, e o gene. (…) No entanto, incomparavelmente o paralelo mais crucial entre essas ideias é o conceitual: cada uma representa a unidade irredutível – o tijolo construtor, a unidade organizacional básica – de um todo maior: o átomo, da matéria; o byte (ou “bit”), da informação digitalizada; o gene, da hereditariedade e informação biológica.
(…) Quando digo “byte”, refiro-me a uma ideia bastante complexa: não só ao conhecido byte da arquitetura dos computadores, mas também a noção mais geral e misteriosa de que toda informação complexa no mundo natural pode ser descrita ou codificada como uma soma de partes distintas contendo não mais do que um estado “ligado” e um estado “desligado”. Uma descrição mais completa dessa ideia e de seu impacto sobre as ciências naturais e a filosofia encontra-se em Gleick2011Information. (…) O byte ou bit é uma invenção humana, mas a teoria da informação digitalizada que a fundamenta é uma bela lei natural.
Quando o biólogo holandês Hugo de Vries chegou ao conceito de gene nos anos 1890, logo intuiu que essa ideia reorganizaria nossa compreensão do mundo natural.
“Todo o mundo orgânico é resultado de inúmeras combinações e permutações distintas de relativamente poucos fatores. (…) Assim como a física e a química investigam as moléculas e átomos, as ciências biológicas têm de entender essas unidades [genes] para explicar (…) os fenômenos do mundo vivo.”
- Hugo de Vries, “Intracellular Pangenesis: Including a Paper on Fertilization and Hybridization”
O átomo fornece um princípio organizador para a física moderna – e nos atiça com a perspectiva de controlar matéria e energia. O gene fornece um princípio organizador para a biologia moderna – e nos atiça com a perspectiva de controlar nosso corpo, destino e futuro.
Parte 1: A “ciência perdida da hereditariedade” - A descoberta e a redescoberta dos genes (1865-1935)
1 - O Jardim Murado
mendel platão pitágoras ésquilo aristóteles
Este capítulo apresenta as teorias clássicas sobre hereditariedade, comparando os pensamentos de Pitágoras (que influenciaram Platão em “República”) com os de Aristóteles. Para Pitágoras, as informações da hereditariedade provinham do esperma, enquanto que a mãe contribuia apenas para a nutrição do feto, portanto a hereditariedade se daria apenas através do homem. Aristóteles percebe as contradições lógicas dessa ideia (como a impossibilidade de o esperma masculino ter informações sobre como fazer a genitália feminina) e propõe a ideia de que tanto o homem quanto a mulher contribuiam mútuamente para a hereditariedade: o homem passaria informações sobre como construir o bebê, e a mulher proveria o material de onde esse bebê seria constrúido.
Além dessas duas principais teorias, foi aventada a ideia de que bebês em miniatura já existivessem formados no semem humano, e eles só crescessem durante o período de gestação. Essa teoria dos “homúnculos” tinha um forte apoio teológico pois levava a pensar que toda a humanidade já estivesse presente quando Adão caiu no pecado original, e portanto todos somos pecadores pois estávamos literalemente lá. Essa ideia de homúnculos foi sugerida pelo alquimista suiço Paracelso (essas ideias também influenciaram a cultura popular, com o mangá e animê FullMetal Alchemist) e foi reforçada com o surgimento dos primeiros microscópios, onde as pessoas viam “provas” que existiam pequenos bebês no semem onde hoje entendemos como espermatozóides.
Em 458 a.C., algumas décadas depois da morte de Pitágoras, o dramaturgo Ésquilo serviu-se dessa lógica singular para apresentar uma das mais extraordinárias defesas legais do maticídio já encontradas na história. O tema central de sua tragédia Eumênides é o julgamento de Orestes, príncipe de Argos, pelo assassinato de sua mãe, Clitemnestra. Na maioria das culturas, o matrícidio era visto como o supremo ato de perversão moral. Em Eumênides, Apolo, escolhido para representar Orestes no julgamento daquele assassinato, cria um argumento original e surpeendente: a mãe de Orestes não passava de uma estranha para o filho. Uma mulher grávida é apenas uma incubadora humana supervalorizada, explica Apolo, uma bolsa intravenosa que goteja nutrientes para a criança através do cordão umbilical. O verdadeiro gerador de todos os seres humanos é o pai, cujo o esperma transmite a “semelhança”.
Se decifrassem a lei dos nascimentos, os guardiões da sua república, sua elite dirigente, assegurariam que apenas a tais uniões “afortunadas” harmoniosas viessem a ocorrer no futuro. Uma utopia política se desenvolveria em decorência de uma utopia genética.
Lembra “Admirável Mundo Novo” e “O Conto de Aia”
2 - O Mistério dos Mistérios
3 - A “lacuna bem grande”
4 - “Flores que ele amava”
5 - “Um certo Mendel”
6 - Eugenia
7 - “Três gerações de imbecis é o suficiente”
Parte 2 - “Na soma das partes só existem as partes”
8 - “Abhed”
9 - Verdades e conciliações
10 - Transformação
11 - Lebensunwertes Leben
12 - “Essa molécula estúpida”
13 - “Objetos biológicos importantes vêm em pares”
14 - “Esse maldito pimpinela fujão”
15 - Regulação, replicação, recombinação
16 - Dos genes à gênese
Parte 3 - “Os Sonhos dos Geneticistas”
17 - Crossing Over
18 - A nova música
19 - Einsteins na praia
20 - “Clonar ou morrer”
Parte 4 - “O estudo apropriado á humanidade é o Homem”
21 - Os tormentos de meu pai
22 - Os nascimentos de uma clínica
23 - Intervir, intervir, intervir
24 - Uma aldeia de dançarinos, um atlas de pintas
25 - “Obter o genoma”
26 - Os geógrafos
27 - O Livro do Homem (em 23 volumes)
Parte 5 - No Espelho
28 - “Então, a gente é igual”
Como estudar a evolução e a origem humana com base na genética (mesmo assunto que “The History of Everyone who Ever Lived”).